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Das coxas às carcaças de frango

Angola é um país enorme e cheio de recursos, e não podemos estar constantemente à procura de soluções externas sem ouvir quem vive os problemas.

É notícia esta semana num jornal nacional que em dez anos, há uma mudança significativa nos hábitos alimentares dos angolanos, acentuada pela perda de poder de compra das famílias. A subida do custo de vida não é acompanhada pelo aumento dos salários e dando como exemplo, hoje uma garrafa de óleo custa sete vezes mais ou um kilo de açúcar seis desde 2013.

À mesa de uma grande parte dos meus concidadãos, já não há carne de vaca ou porco, leite, enchidos ou enlatados como atum ou sardinhas. A coxa de frango deu lugar às carcaças o leite ao chá e do peixe compram-se as cabeças.

As dificuldades têm levado a um aumento do consumo dos produtos do campo por serem mais baratos e come-se mais rama de batata, couve, beringelas ou repolho, existindo famílias a tentar investir em lavras ou hortas.

Esta situação tem levado a que o défice na fiscalização dê espaço à comercialização de alimentos adulterados, mal conservados produzidos ou armazenados em condições impróprias. Foi notícia a comercialização de animais de estimação como se fossem vaca ou porco, tal a falta de ética e a necessidade das pessoas.

Claro está que estas condições levam a um agravamento da saúde, um aumento da taxa de desnutrição crónica e consequentemente dificuldades no desenvolvimento pelo emagrecimento progressivo, entre outras doenças como problemas de tiroide ou deficiências de cálcio e ferro. A perda de poder de compra das famílias agudiza de igual modo os problemas sociais, como a procura por negócios ilícitos, delinquência ou prostituição.

Todos temos sentido as dificuldades, continuamos a aguardar os resultados da propalada diversificação económica e nem mesmo os anúncios sobre uma pauta de importação que permitirá o estímulo à produção nacional, que a bem da verdade foi mal interpretada e julgou-se que se estava a proibir a entrada de produtos estrangeiros no país, acalma quer seja a opinião pública como os empresários.

Continua a ser muito dispendioso o “Made in Angola”, pois se já não temos problemas de energia frequentes, ainda temos de consumo e acesso a água, de escoamento da produção das zonas rurais para as urbanas ou matéria-prima nacional que evite o recurso à importação o que encarece o custo final ao consumidor.

Outro dado a ter em consideração é que muitos dos negócios são liderados por estrangeiros que argumentam que o custo das divisas e da compra de moeda estrangeira acaba por influenciar os preços praticados.

Não obstante tudo o que acabo de expor, a verdade é que nem a forma encontrada de divisão da compra dos produtos, a sócia, que consiste em encontrar uma pessoa que pague metade da mercadoria a grosso, está a funcionar.

É importante diagnosticar, analisar e implementar formas de resolução dos problemas das comunidades e cidadãos, é um facto que directrizes emanadas do poder central são por vezes de difícil implementação.

Estratégias de economia circular, fomento à criação de pequenas e médias empresas ou bons projectos de jovens empreendedores podem ajudar a reavivar e revitalizar a economia, não podemos estar constantemente à procura de soluções externas sem ouvir quem vive os problemas. Há um país enorme e cheio de recursos, cabe-nos não deixar que se torne um “elefante branco”…

Kâmia Madeira, Licenciada em História pela Universidade de Coimbra

In: Jornal Económico

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