Os interlocutores do Luanda Post atestam que há empresas nacionais e estrangeiras interessadas em cuidar da requalificação e gestão do aterro sanitário dos Mulenvos. Acreditam por isso que, tão logo seja lançado um outro concurso, não haverá dificuldades em se encontrar candidatos.
O Executivo pretende anular o concurso vencido pela construtora Griner, detida pelo banco BAI, para cuidar da requalificação e gestão do aterro sanitário dos Mulenvos, em Viana, porque, transcorridos quase dois anos, a operadora continua sem dinheiro para avançar com o projecto, mesmo depois de tentar uma emissão obrigacionista equivalente a quase 30 milhões de dólares, confidenciaram ao Luanda Post fontes palacianas.
De acordo com as fontes da “Colina de São José”, no concurso público aberto em Março de 2021, em que foram apresentados e analisados 11 candidaturas, aparentemente os argumentos exibidos pela Griner eram os mais exequíveis, porém, passados mais de dois anos, nota-se que a empreiteira vencedora do concurso não tem capacidade para executar a obra. “O objectivo do concurso é resolver constrangimentos orçamentais da actual conjuntura, pondo fim a uma gestão suportada em exclusivo por recursos ordinários do tesouro nacional. Mas agora, com as dificuldades apresentadas pela Griner, há a necessidade de se anular o concurso e, posteriormente, realizar outro”, detalham as fontes, acrescentando que, num futuro próximo, será anunciada a decisão de revogação do Decreto Presidencial nº 16/22, de 25 de Janeiro, que indica a Griner como vencedor do concurso que visava transformar os Mulenvos em centro de valorização de resíduos.
Os interlocutores do Luanda Post atestam que há empresas nacionais e estrangeiras interessadas em cuidar da requalificação e gestão do aterro sanitário dos Mulenvos. Acreditam por isso que, tão logo seja lançado um outro concurso, não haverá dificuldades em se encontrar candidatos, uma vez que a requalificação vai permitir, por um lado, uma maior gestão daqueles resíduos, mas, por outro lado, permitir que se ganhe um pouco mais de experiência na gestão de aterros sanitários no País.
Em termos ambientais, o objectivo é também melhorar a cadeia de gestão de resíduos em Luanda, através da optimização das infra-estruturas do aterro sanitário, que foi projectado em 2007 para 2.500 toneladas de resíduos diariamente, mas que em 2020 recebia 6.500 toneladas a cada dia. Do ponto de vista técnico, os especialistas consideram que Mulenvos já não cumpre os critérios para ser considerado um aterro, mas, sim, uma lixeira controlada.
Segundo Sérgio Santos, antigo ministro da Economia e Planeamento, estima- -se que em Luanda se produz cerca de 3,3 milhões de toneladas de resíduos por ano, já que 45% desta produção tem potencial de reutilização como matéria-prima para a indústria, 35% tem potencial para a reutilização como fertilizantes, e os restantes 20% poderiam ser utilizados na produção de energia.
GRINER TENTOU FAZER EMISSÃO OBRIGACIONISTA
Em Fevereiro deste ano, a construtora Griner já tinha revelado que lhe faltavam quase 100 milhões de dólares para dar início ao projecto, tendo o Expansão apurado em Agosto que, no ano passado, a empresa que pertence maioritariamente ao BAI se movimentou no sentido de apurar se no País haveria potenciais interessados numa emissão obrigacionista.
A ideia passava por emitir no próximo mês, em Novembro, obrigações no valor global de 15 mil milhões Kz (equivalentes a 29,5 milhões USD à taxa de câmbio da altura), com taxas de juro de 16,5% com uma maturidade de três anos. Tratar-se-ia de uma emissão fechada apenas a grandes investidores, mas ao que o Expansão apurou junto de várias fontes foi que “nenhum desses investidores mostrou interesse” em comprar qualquer uma das 60 mil obrigações com valor nominal de 250 mil Kz. De acordo com a ficha técnica, só após a demonstração de interesse por parte de grandes investidores é que a construtora levaria o processo à Comissão de Mercado de Capitais (CMC).
Curiosamente, estes quase 30 milhões USD são o valor que a empresa precisava de apresentar no concurso público como capital próprio para avançar com o projecto de requalificação e gestão do aterro sanitário dos Mulenvos. Apesar de o caderno de encargos ter estipulado 20 milhões USD de capital próprio, a construtora entendeu que eram necessários mais, segundo avançou Yuri Almeida, um dos responsáveis pela parceria público-privada da parte da Griner, em declarações ao Expansão em Fevereiro deste ano.
Ainda assim, o responsável garantiu que o capital próprio já estava salvaguardado, sem, no entanto, ter explicado como. Quanto aos restantes 67 milhões USD necessários para arrancar definitivamente com o projecto “Mulenvos”, estava previsto virem de financiamento externo, o que é difícil, uma vez que o rating da República de Angola é considerado lixo pelas principais agências de notação financeira.
Contas feitas, a Griner precisa, assim, perto de 100 milhões USD para aplicar no aterro, um valor superior aos 75 milhões USD que o Governo tinha previsto quando lançou o concurso público que visava dar um novo fôlego ao único aterro sanitário de Luanda, que é actualmente um gigante depósito de lixo gerido pela Empresa de Limpeza e Saneamento de Luanda (ELISAL).
Ainda em Fevereiro, o responsável da Griner explicou que o caderno de encargos do concurso tinha projectado erradamente o valor para os custos de implementação do projecto que visa a valorização de resíduos sólidos recolhidos pelo Estado e privados.
Contudo, o certo é que, passados um ano e meio depois do anúncio do vencedor do concurso, a Griner continua sem arrancar com as obras do primeiro contrato em regime PPP do País.
PROJECTO ESTÁ “PRESO” NO TRIBUNAL DE CONTAS
A estruturação técnica do contrato dos Mulenvos no regime PPP já está pronta, mas o processo nesta altura “está preso no Tribunal de Contas [TC]”, de acordo com o director nacional de Parcerias Público-Privadas (PPP) do Ministério da Economia e Planeamento (MEP), Augusto Dembo.
O responsável afirma que o processo já entrou e saiu por duas vezes no TC, por insuficiência de informação e “falta de alguns esclarecimentos” que o Tribunal solicitou ao Governo Provincial de Luanda (GPL), que é o concessionário, e tem estado a responder com o apoio técnico do MEP.
Em Julho deste ano, o TC solicitou mais esclarecimentos, que ainda não foram respondidos pelo GPL. Em termos práticos, neste momento o processo está “em cima da mesa” do GPL. “Por se tratar do primeiro projecto em PPP, há aspectos diferentes da contratação tradicional”, justifica o responsável do MEP.
“O nosso ordenamento para a questão das PPP ainda é um desafio para o Executivo e, pior, é para o judicial, neste caso o Tribunal de Contas. O grande exercício tem sido o trabalho da obtenção do visto por parte do TC, no entanto continuamos a prestar todo o apoio ao GPL nos esclarecimentos necessários que o Tribunal tem solicitado”, justifica Augusto Dembo.
Recorde-se que Mulenvos, no município de Viana, foi o único aterro a servir todo o País até meados de 2020, quando abriu o aterro da Catenguenha, no Huambo. O resto são lixeiras a céu aberto e valas sanitárias.
A questão do lixo em Angola é um problema de saúde pública há décadas, agravado na capital, desde Dezembro de 2020, depois de o Governo Provincial de Luanda rescindir os contratos com as empresas de recolha, por incapacidade de liquidar uma dívida de 273,6 mil milhões de Kwanzas às operadoras de limpeza urbana. Para tentar ultrapassar parte do problema e com carácter emergencial, em Fevereiro de 2020 o Presidente da República aprovou um procedimento de contratação emergencial, no valor de 34,8 mil milhões Kz, para limpeza urbana até ao final daquele ano.