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A história do banqueiro mais famoso de Angola e o seu extraordinário enriquecimento pessoal

Só começou a trabalhar com 28 anos, mas aos 39 foi convidado para CEO de um banco português em Luanda e em pouco tempo,  quando foi forçado a sair do BESA, já era multimilionário.

Carlos Ferreira Madaleno era funcionário da Câmara de Luanda e o seu filho Carlos Oliveira Madaleno seguiu-lhe o exemplo. Foi colocado como fiscal no Mercado Municipal de Kinaxixi, construído no início da década de 50, ao lado do emblemático prédio da cerveja Cuca.

 Após a independência, em 1975, Carlos não abandonou o local de trabalho, mas passou de fiscal a comerciante e abriu dois talhos e um café, a pastelaria Maravilha, que só viria a fechar em 2015, com a demolição do mercado.

Mais tarde, em 1990, a família adquiriria um restaurante com bar e uma sala de bowling, cuja actividade ainda iria durar até 2003.

Álvaro Sobrinho foi viver para Lisboa aos 17 anos. Não se sabe muito sobre esse período, a não ser o pouco que o próprio banqueiro admite contar, quando confrontado com o facto de ter demorado tanto tempo a prosseguir os seus estudos superiores: “Eu e o Sílvio fomos os primeiros a ir para Portugal, os outros meus irmãos foram mais tarde.

Entre 1979 e 1984, sem nunca ter trabalhado e vivendo à custa do [meu] pai, foi o período em que me apliquei para poder ingressar na universidade”.

Entrou na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, no Monte da Caparica, aos 22 anos para um curso com um nome um tanto ou quanto esotérico, Matemática — Ciências Actuariais, dedicado a formar técnicos capazes de analisar as necessidades financeiras associadas a fundos de pensões e a sistemas de seguros, para que depois os bancos e as seguradoras possam prever quanto dinheiro é que vão ter de gerar para garantir que esses modelos de retribuição sejam sustentáveis. De acordo com informações prestadas pela FCT, Sobrinho terminou o curso apenas em 1990, com a média final de 12 valores.

Tinha 28 anos e notas modestas, longe do currículo ideal para uma entrada sólida no mercado de trabalho. O curto e vago currículo que chegou a incluir nos relatórios do BESA mencionavam uma breve passagem pela seguradora Mundial Confiança, mas não referem quando é que isso aconteceu. Nem quanto tempo durou ou o que fez por lá.

A teoria das probabilidades inclui sempre as hipóteses mais remotas.

Os bancos estavam em franco crescimento em Portugal, que entrara para a então Comunidade Económica Europeia (CEE) quatro anos antes. Iam às faculdades buscar gente.

O jovem recém-licenciado conseguiu sobreviver a uma primeira triagem para uma vaga no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL), detido na altura pelo Estado, e na entrevista seguinte acabou por ser aprovado. Vinha com uma recomendação de um professor da FCT que trabalhava numa sociedade gestora de fundos de pensões, recorda uma fonte do banco. “Era humilde, tímido mas ambicioso. Parecia conhecer algo do mercado e passou nos testes que lhe fizeram.”

Foi contratado como técnico actuarial na Multipensões, uma empresa acabada de criar pelo BESCL em 1990, e que tinha como missão gerir o fundo de pensões do próprio banco. Nessa época, o BESCL suportava a 100% o pagamento das reformas dos seus funcionários.

Fazia isso com as receitas da actividade bancária e, tendo em conta que bastava acumular 35 anos de carreira para poder passar à reforma, os custos tenderiam a tornar-se insustentáveis quando a maioria do pessoal do banco atingisse esse limite. Por volta de 2017 a pressão sobre as contas iria dar um salto e era preciso antecipar.

Portugal atravessava uma fase de enriquecimento rápido. As obras públicas estavam em grande expansão e muitos negócios foram sendo abertos. Empresas que tinham sido nacionalizadas em 1975 voltavam a ser privadas. Com a reprivatização do BESCL em 1991, o BES, Banco Espírito Santo, estava de novo sob o controlo da família fundadora, a Multipensões deu lugar à ESAF, Espírito Santo Activos Financeiros, com duas áreas de atividade principal: os fundos de investimento mobiliário e imobiliário e os fundos de pensões.

Sobrinho continuou a fazer o mesmo que fazia exatamente no mesmo sítio: um edifício na Avenida Pedro Álvares Cabral, junto ao Largo do Rato, em Lisboa. Foi logo nessa época, em 1992, numa reunião de análise do orçamento do BES, que, segundo o próprio conta, conheceu Ricardo Salgado, escolhido para presidente do banco em representação da família Espírito Santo.

Nesse clima de furor e optimismo em Lisboa, nada faria supor que o actuário angolano viesse de uma família abastada, de acordo com pessoas que se cruzaram com ele no banco. Muitos anos depois, no final de 2014 e perante uma comissão de inquérito parlamentar ao colapso do BES, o banqueiro contou que fazia parte “de uma família angolana com posses” e que quando foi estudar para Portugal não foi como bolseiro: “Os meus pais compraram-me uma casa em Cascais, compraram-me carro e eu vim para aqui. Já na altura tinha essa posse.”

Os antigos colegas contam uma versão diferente: primeiro começou a trabalhar no banco e só a seguir comprou uma mota usada, de 125 centímetros cúbicos. Depois adquiriu um Opel Kadett e mais tarde um Volkswagen Golf, ambos em segunda mão. “Nunca o vi com um carro novo”, recorda um deles. “Era claramente uma pessoa da classe média.”

Entretanto, casara-se com uma portuguesa, Ana Seixas Afonso Dias, enfermeira no Serviço Nacional de Saúde, colocada no Centro de Saúde de Sintra, com quem teve dois filhos, Gonçalo, que nasceu ainda em 1989, e Joana, nascida em 1993.

Quando foi enviado a Luanda para ajudar o braço não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) em África a gerir o fundo de pensões dos ex-combatentes das Forças Armadas, em 2000, Álvaro Sobrinho conheceu Hélder Bataglia, um empresário português que cresceu em Benguela e que em 1993 fundara a Escom para o GES, ficando como presidente e accionista minoritário da empresa. Rapidamente a relação profissional transformou-se em amizade.

Em 2001, na fase final da guerra civil que opunha desde a independência de Angola os antigos movimentos de libertação da UNITA e do MPLA, Hélder Bataglia aproveitou a reputação que tinha acumulado junto do Presidente José Eduardo dos Santos para obter uma licença bancária para a família Espírito Santo.

A Escom tinha investido nos anos mais difíceis de Angola, quando o fim da Guerra Fria determinou a retirada da Rússia como o grande financiador e fornecedor logístico do MPLA, e chegara a hora de dar um salto. Para isso faltava ter um banco.

O BES tinha aberto em 1998 uma representação em Luanda e convidara para liderar esse escritório o angolano Carlos Silva, um advogado que estudara na Faculdade de Direito de Lisboa e estabelecera o seu próprio escritório em 1990. Quatro anos mais novo que Álvaro Sobrinho, Carlos Silva parecia ser a escolha óbvia para liderar um banco criado de raiz em Angola pelo grupo. Mas não foi isso que aconteceu.

Em Lisboa, o convite feito por Ricardo Salgado a Álvaro Sobrinho para assumir o cargo de CEO em Luanda cedo se espalhou pelos corredores e foi encarado com surpresa pelos quadros superiores do BES. “Era um tipo insignificante na estrutura do banco”, lembra um desses quadros. “Toda a gente imaginou que essa escolha só poderia dever-se ao facto de a família dele ser próxima de José Eduardo dos Santos. Que outra explicação poderia haver?”.

Um outro elemento da direcção do BES admite que Sobrinho, embora trabalhasse numa empresa detida pelo banco, “não tinha qualquer experiência bancária” que justificasse uma nomeação desse género. “Nunca tinha passado pelo balcão de um banco, nunca estivera envolvido em concessões de crédito, em gestão de carteiras de clientes, em aplicações de investimentos, em nada do que diz respeito à actividade bancária tradicional.”

Apesar de Salgado referir-se a Sobrinho como fazendo “parte de uma família angolana conhecida”, o antigo actuário, olhando para trás, reconhece  que a sua família “nunca foi próxima de José Eduardo dos Santos”, admitindo apenas que “alguns dos seus membros conhecem e relacionam-se com familiares do antigo Presidente” — um facto confirmado por uma investigação desenvolvida nos últimos meses pelo Expresso mas que remete essa relação para um período muito posterior, quando em junho de 2011 o banqueiro ofereceu a Tchizé dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, 15% de uma sociedade sua e dos seus irmãos, a Marina Baía.

Álvaro Sobrinho aceitou o desafio lançado por Salgado e no verão de 2001 ele e a família mudaram-se para Luanda.

A 11 de agosto, saía pela primeira vez na imprensa portuguesa, uma referência ao seu nome, a propósito de uma notícia sobre a abertura da subsidiária do BES em Luanda. “Pretendemos dotar as agências com rigor e competência, direcionadas para as necessidades específicas dos clientes, mas a nossa cobertura geográfica poderá ser ajustada a outras províncias em função do mercado e da estratégia económica do Governo angolano”, dizia Álvaro Sobrinho ao Expresso. “Defenderemos uma postura pedagógica para promover e ajudar o sector financeiro a bancarizar os cidadãos angolanos”, prometia o recém-nomeado CEO do BESA, que arrancava nesse mesmo mês com um capital social de dez milhões de euros, 95% dos quais detidos pela casa-mãe em Lisboa.

Não começou sozinho. Além de Hélder Bataglia, o homem que obteve a licença, o novo banco angolano teve Carlos Silva como administrador executivo até o antigo advogado sair em 2005 para fundar a sua própria instituição, o Banco Privado Atlântico, actual Millennium Atlântico.

Em 2006 era inaugurada uma nova sede, repartida por dois edifícios na baixa de Luanda em que foram investidos 20 milhões de euros. O BESA era descrito como o “único banco português que é dirigido por um angolano” e mostrava ser um caso de sucesso, com uma taxa de crescimento de 23% nesse ano e posicionando-se como o terceiro maior banco a operar em Angola, depois do BFA, controlado pelo português BPI, e do BAI, de capitais exclusivamente angolanos.

Com os números sempre a subir — 222 funcionários, mais de 6300 particulares e 1800 empresas como clientes em 2005 —, a subsidiária do BES em Luanda abrira entretanto a porta a parceiros locais e ofereceu 20% do capital social à Geni, uma empresa que tem entre os seus beneficiários Isabel dos Santos e é representada por Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como general Dino, um antigo chefe das comunicações da Presidência da República identificado pelo jornalista e activista Rafael Marques de Morais como testa de ferro de José Eduardo dos Santos.

Em novembro de 2006, enquanto se mantinha a tempo inteiro como CEO do BESA, Álvaro Sobrinho criava a sua primeira empresa em Luanda, a Anjog — Participações e Serviços, Limitada.

Como detentores oficiais das quotas da sociedade eram registados na escritura de constituição da empresa os seus dois filhos, Gonçalo, então com 17 anos, e Joana, com 13, cada um deles titular de 20% do capital social, e a mulher, Ana Madaleno, com os restantes 60%.

A Anjog tinha como objecto um leque alargado de actividades: “consultoria, participações, investimentos, promoção de negócios, prestação de serviços, gestão de empreendimentos”, entre outros, podendo ainda “dedicar-se a qualquer outro ramo de serviços, comércio e indústria”. De acordo com os seus estatutos, dava para tudo.

Nos anos seguintes, a Anjog viria a adquirir dezenas de imóveis em Luanda, incluindo 20 armazéns no centro logístico de Talatona, alguns deles revendidos a empresas representadas pelos irmãos de Sobrinho, Sílvio e Emanuel.

Em outubro de 2013, já depois de o banqueiro ter abandonado o cargo de CEO, a Anjog seria identificada pela nova administração do BESA como tendo recebido internamente no banco transferências não justificadas de 108,8 milhões de dólares, feitas a partir de entidades cujos beneficiários eram oficialmente desconhecidos e que receberam 1,6 mil milhões de dólares em empréstimos não suportados em garantias. Depois da Anjog, Sobrinho abriu outras empresas: em 2009 a Marina Baía, através da qual ofereceu parceria a Tchizé dos Santos e que viria a receber 98 milhões de dólares do BESA; e, em 2010, a Ocean Private, beneficiada com 227 milhões do banco dos Espírito Santo.

O apagão informático imposto pelo Banco Nacional de Angola seguia a par com outra circunstância de relevo: a pessoa escolhida por Sobrinho para ser a diretora responsável no BESA pelo crédito a empresas era a sua cunhada Lígia Madaleno, casada com o seu irmão Emanuel, o mesmo que mais tarde o Ministério Público diria ter levantado do banco 22,4 milhões de dólares em dinheiro vivo. Dentro do banco, Lígia tinha autoridade para ordenar transferências, levantamentos e depósitos de grande dimensão.

Em 2009 Sobrinho juntava-se a Hélder Bataglia e a três gestores de conta do banco UBS para fundar a Akoya, uma empresa de gestão de fortunas na Suíça. Michel Canals, um dos gestores vindo do UBS, já tinha antes disso o CEO do BESA como cliente. Ao todo, antes e depois da criação da Akoya, o banqueiro angolano abriu 20 contas no Credit Suisse e mais duas contas noutros bancos helvéticos, todas elas tituladas por companhias offshore incorporadas em vários paraísos fiscais.

Em maio de 2012, quando os três antigos gestores do UBS — Canals, Nicolas Figueiredo e José Pinto — foram detidos em Portugal no âmbito da ‘Operação Monte Branco’, um inquérito-crime sobre um complexo esquema de branqueamento de capitais que envolvia a Akoya, foram encontrados ficheiros que revelavam os números das contas bancárias cujo beneficiário efectivo era Álvaro Sobrinho e os montantes associados a cada uma delas. Ao todo, no final de abril de 2012, os seus depósitos na Suíça ascendiam a 180 milhões de euros.

Para Sobrinho, a boa imprensa tinha dado lugar à má imprensa um ano antes disso, com uma primeira notícia publicada pelo “Correio da Manhã” em junho de 2011 que expunha o seu envolvimento como suspeito no caso do desvio de dinheiro da conta do tesouro angolano no BES Londres.

Meses depois, em novembro, vários jornais revelavam a história dos seis apartamentos comprados no Estoril-Sol. Mais de 3,5 milhões usados para pagar os imóveis vinham de uma companhia offshore das Ilhas Virgens Britânicas, a Grunberg Investments Ltd, titular de uma das contas suíças de Sobrinho geridas pela Akoya — e beneficiada com 63,5 milhões de transferências irregulares feitas pelo BESA.

A Grunberg das Ilhas Virgens Britânicas andava a alimentar uma sua subsidiária portuguesa, a Grunberg Portugal, desde dezembro de 2007. Além do Estoril-Sol, a offshore também canalizara 5,9 milhões de euros para a compra de um solar em Marco de Canaveses, a Casa da Quintã.

Uma outra dessas offshores com contas na Suíça, a Pineview Overseas, incorporada no Panamá e beneficiada com 37 milhões de dólares no esquema do BESA, tinha servido para o banqueiro comprar no início de 2009, através de uma empresa portuguesa, a Newshold, a maioria do capital de dois jornais em Lisboa, o semanário “Sol” e o diário “i”.

Em paralelo, os investimentos em outras empresas e em imóveis desdobravam-se e, com a sucessão de casos judiciais e a saída forçada como CEO do banco no final de 2012, tornavam-se visíveis. Assumiu-se como accionista maioritário da fábrica de conservas Bom Petisco, da gráfica Printer Portuguesa e do grupo Babel, que detém as editoras Verbo, Ulisseia, Ática, Arcádia e Guimarães, entre outras.

Os pais e os irmãos acompanhavam o ritmo de aquisições. Emanuel Madaleno está actualmente presente como administrador ou gerente de 18 sociedades em Portugal. O irmão Sílvio está presente em 13. Carlos Madaleno consta de outras duas empresas e a mulher, Ana, em mais cinco.

Além disso, na ordem de arresto anulada pelo juiz Rui Rangel em 2015 constavam mais de 20 imóveis, entre apartamentos e moradias de luxo em Lisboa, Cascais, Porto e noutros lugares, adquiridos por Sobrinho e pelos seus familiares directos na última década.

A lista incluía uma casa na Quinta da Marinha comprada por 1,2 milhões em 2009 pelos seus pais  e que assim passaram a ter uma propriedade na zona mais nobre de Cascais.

Em Angola, onde o seu plano de influência nos media levou-o a adquirir em 2011 o “Novo Jornal”, comprado à Escom, Sobrinho fundava o seu próprio banco em 2013, para onde levou as pessoas que mais directamente trabalhavam consigo, incluindo a sua cunhada Lígia, que se veio a tornar vice-presidente da nova instituição, e João Moita, um antigo quadro superior do BES Investimento em Lisboa que era o director responsável pelo departamento de risco no BESA — e que se assumiu entretanto como o novo CEO do Banco Valor.

O universo Espírito Santo ainda se estava a desmoronar e o matemático contratado pelo BES duas décadas antes já era, entretanto, um cidadão do mundo, vivendo entre Lisboa, Luanda, Londres, Genebra e Port Louis e tem negócios no Quénia, na Etiópia e na Indonésia, além do Reino Unido, onde é fundador do The Planet Earth Institute e accionista da Hotpsur Energy.

Na Suíça, depois do escândalo da Akoya, criou a Signet, uma nova empresa de gestão de fortunas com que gere os seus investimentos imobiliários. Na África do Sul está a montar uma joint venture para tentar abrir um banco de investimento. E depois há ainda as Ilhas Maurícias, onde os jornais não lhe têm dado descanso.

Em novembro de 2017, novas revelações eram feitas pelo “L’Express” em Port Louis: o banqueiro foi autorizado a comprar, através de uma das suas empresas-veículo, um total de 131 moradias num complexo de luxo, o Royal Park, apesar de um relatório encomendado pelas autoridades financeiras das Maurícias à multinacional de intelligence Kroll concluir que a sua reputação “não é boa.

Texto: Jornal Expresso

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