Por: Isamel Mateus*
Foram postas a circular informações sobre uma reunião do MPLA onde não teria havido consenso quanto ao gradualismo da redução da subvenção aos combustíveis.
Neste tema, como em muitos outros da vida política nacional, percebe-se a dificuldade do partido no poder de se assumir como a orientação política do Governo.
Ao contrário do que muitos sugerem, o problema não reside no facto do presidente do partido ser igualmente o Titular do Poder Executivo. Independentemente do líder, o MPLA é que vai a votos e que assume o ónus político pela governação, logo se se assumisse como essa estrutura donde o Governo emana e não o contrário, a acumulação de funções até seria vantajosa. A questão da acumulação é, por isso, um falso problema.
Em vez de fazer a advocacia dos eleitores e de impor o cumprimento do seu manifesto eleitoral, a classe política dominante no MPLA, directamente envolvida nas grandes tomadas de decisões, prefere omitir-se e anular-se no intuito de satisfazer a vontade conjectural do chefe. (qualquer que seja o chefe. Já era assim com José Eduardo dos Santos e continua com João Lourenço).
Os processos internos de decisão são feitos por um pequeno grupo, o que quer dizer que a mecânica existente está, há já muitos anos, mais relacionada com a figura do chefe e do seu pequeno grupo de apoiantes do que com uma orientação resultante da vontade dos militantes, o que, por sua vez, não permite uma participação colectiva dos filiados e simpatizantes na tomada das grandes decisões ou na definição da actuação futura do partido no poder.
Apesar das mudanças ocorridas na liderança do MPLA, o velho problema da democracia interna continuou por se resolver. Há claramente um défice de democracia interna, onde os militantes ainda não têm o poder de escolher livremente os seus dirigentes a vários níveis, incluindo primeiros secretários e presidente do partido.
Apesar do apelo mediático da questão das múltiplas candidaturas internas, o cerne da problemática da democracia interna (tanto no MPLA como na UNITA e noutros partidos, diga-se) está muito relacionada com a incapacidade de coabitação das lideranças com as tendências internas, ou seja, o reconhecimento no espaço público de vozes discordantes como legitimas tendências internas, mas também o convívio interno pacífico e salutar nas diferentes estruturas da direcção do partido.
Lamentavelmente, em todos os partidos angolanos, os candidatos que concorrem contra os vencedores, os líderes intermédios e activistas que possuam posicionamentos internos mais críticos são quase sempre marginalizados pelas lideranças, afastando-os das oportunidades de crescimento e dos espaços de visibilidade interna e externa. Fenómenos e casos internos que aos olhos do cidadão ou do militante comum deveriam merecer reprovação são ostensivamente silenciados ou conduzem a proibições ou banimento por questões ideológicas ou de alegada má conduta.
No caso do MPLA, a ausência formal de vozes discordantes, por um lado, empobrece a qualidade da tomada de decisões (porque permite que a vontade conjectural do chefe se imponha mais facilmente), mas também, por outro lado, impede que o MPLA assuma cabalmente o papel de orientação político-ideológico e programática do Governo. A democracia interna ajudaria a combater o distanciamento crescente entre partido e os seus eleitores, uma vez que as críticas internas permitiriam fazer a advocacia dos sem voz na tomada das grandes decisões e, com isso, estabelecer vínculos com determinados segmentos do eleitorado.
A insuficiente democracia interna retira maleabilidade ao MPLA e dificulta a sua adaptação aos novos contextos, para além de levar a um afastamento das bases e dificultar imenso a entrada de novos membros.
É por essa razão que em pontos essenciais da vida política nacional como, por exemplo, a manutenção no cargo do presidente do Tribunal Supremo, a realização de eleições autárquicas ou o terceiro mandato presidencial se observe uma linha clara de divergência entre o que parece ser a posição do núcleo dominante do MPLA e a vontade dos militantes e eleitores do MPLA.
É um silêncio comprometedor e absurdo quando no dia-adia as populações aflitas, os sindicatos e os eleitores, de um modo geral, reclamam por alguém que seja porta-voz das suas posições e reivindicações.
A existência de tendências internas expressas na direcção dos partidos na mesma proporção percentual que os votos nas suas moções de estratégia levaria a que personalidades históricas, figuras carismáticas e líderes de opinião interna pudessem usar da sua influência junto do líder e do Governo para conferir às tomadas de decisão mais qualidade e mais proximidade à vontade dos cidadãos. Em vez de permitir que a oposição roube esse papel, seriam militantes e deputados do MPLA a efectuar internamente o contrapeso e advocacia capaz de tornar as medidas governamentais mais aceitáveis e compreendidas pelos cidadãos.
O maior problema da vida política nacional, mais do que os problemas económicos, é a falta de confiança. Ela decorre das dificuldades de comunicação do Governo e dos partidos políticos, mas também dos erros de governação. É notória a queda na confiança no sistema político-partidário e principalmente no Governo. Ora, a confiança é um factor primordial para o funcionamento das instituições e para a esperança de que as medidas tragam um país melhor. O défice de democracia interna nos próprios partidos, que se percebe a partir dos discursos de cartilha, da disciplina partidária e do distanciamento da vontade dos militantes, acaba por criar uma sensação de estagnação e amorfismo.
É essa a sensação de milhares de cidadãos a quem se pede que apertem o cinto como medida necessária, mas depois continuam a ver o Governo a esbanjar dinheiro em muitas viagens, muitos carros, muitas benesses e muitos casos mediáticos por explicar. E o MPLA…sempre em silêncio, como se nada tivesse a ver com o assunto.
Jornalista – In Jornal de Angola