António Alberto Neto, que concebeu a bandeira do MPLA, Simão Cacete, ex-reponsável pela AD-Coligação, bem como Luís dos Passos, do Partido Renovador Democrático, são os únicos sobreviventes entre os 12 políticos que concorreram para ocupar o ‘cadeirão máximo’ do País nas primeiras eleições presidenciais realizadas em 1992.
Entretanto, entre os já falecidos, José Eduardo dos Santos, que administrou Angola por 38 anos ininterruptos, foi o último a deixar o mundo dos vivos.
Há 32 anos, precisamente em 1991, o País deixava de ser uma República Popular e passava a ser a República de Angola, como resultado dos acordos de Bicesse, que terminaram com o sistema de partido único e uma economia centralizada para um País democrático com múltiplos partidos políticos e uma economia de mercado, pois que fruto disso foram também realizadas no ano seguinte as primeiras eleições presidenciais e eleições legislativas.
Os pleitos supra ocorreram em Setembro e os resultados do escrutínio foram anunciados em Outubro. Para as eleições presidenciais participaram 12 candidatos, tendo sido ganhas por José Eduardo dos Santos, que não atingiu a maioria, como veremos lá mais adiante. Muitos desses altos quadros angolanos (candidatos a Presidente), que deram parte de sua vida e juventude para a democratização do País e o alcance de um Estado de direito, abandonaram o solo pátrio nalguns casos alegadamente em busca de segurança, em face das supostas ameaças à integridade física pessoal e de suas famílias, e noutros casos pelo facto de o sistema de saúde angolano não oferecer melhores condições, sobretudo para pessoas com idade já avançada.
José Eduardo dos Santos, Jonas Savimbi, Holden Roberto, Daniel Chipenda e Anália de Vitória Pereira, todos já falecidos, foram os nomes e os rostos mais conhecidos da massa eleitora. E se nalguns casos se conhece a situação de alguns dos candidatos que deram quase tudo de si por Angola, noutros não se conhece onde andam nem em que se dedicam actualmente. Recorde-se que, entre os 12 candidatos a Presidente da República às eleições de 1992, nove já desapareceram do mundo dos vivos, sendo Daniel Chipenda o primeiro, pois morreu em Cascais, Portugal, a 28 de Fevereiro de 1996.
Chipenda foi um diplomata, militar e futebolista. Um quadro sénior do MPLA, que se destacou como comandante da Frente Leste antes de criar a Revolta de Leste, uma facção dos ‘camaradas’, tendo-se em 1974 juntado à FNLA, de onde sai para, de novo, integrar o MPLA em 1989; e voltou a sair novamente em Julho de 1992 para concorrer às eleições presidenciais. Entretanto, vaticina-se que especialistas ligados ao serviço de inteligência angolano é que o terão convencido a abandonar o MPLA, visando reduzir a pressão e a ameaça na perspectiva política de José Eduardo dos Santos diante da sua popularidade interna.
Sublinhe-se que diferentes quadros acorriam a Chipendagarantindo apoio caso abandonasse o MPLA, e alegadamente o fizeram acreditar que tinha chances de ser eleito Presidente com o argumento de que o povo estava com ele. Mfulupinga Nlando Victor é outro quadro angolano que igualmente contribuiu para a democratização do País. Concorreu igualmente ao cargo de Presidente da República em 1992 e acabou morto a tiro, nas ruas de Luanda, a 2 de Julho de 2004, dois anos depois da paz efectiva em Angola. O também matemático se notabilizou como um intelectual e político intransigente desde muito cedo.
Os historiadores têm-no como o homem que organizou e dirigiu o primeiro congresso dos estudantes angolanos no exílio, um evento que chegou a albergar cerca de 500 participantes de vários continentes, realizado em Kinshasa, na República Democrática do Congo. Holden Roberto, então presidente da FNLA, que liderou a organização desde a luta contra o colonialismo português até 1999, foi, entre os concorrentes ao cadeirão máximo do País, o terceiro a sucumbir.
Tinha na altura 84 anos de idade e, ao contrário da força e brilhantismo com que a sua organização era tomada, sobretudo no período em que o País ainda lutava para o alcance da emancipação diante de Portugal, HoldenRoberto morreu vendo a FNLA perder influência no seio da sociedade e terreno político, além de a sua liderança no partido ser alvo de confrontação interna desencadeada por um dos seus mais importantes ‘delfins’, o sociólogo Lucas Bengui Ngonda.
Anália de Victória Pereira, então presidente do já extinto Partido Liberal Democrático (PLD), foi a quarta a tombar diante da ‘bravura’ da morte, com 68 anos de idade. ‘Mamã Coragem’, como também era conhecida Anália de Vitória Pereira, morreu por doença em Lisboa, Portugal. Foi uma mulher intransigente, de ‘mãos de ferro’, uma Margaret Thatcher angolana. Anália de Vitória Pereira nasceu em Luanda, a 3 de Outubro de 1941, e foi a décima mais votada entre os candidatos às eleições presidenciais de 1992.
‘Mamã Coragem’ voltou a liderar o seu partido nas segundas eleições legislativas realizadas no País, desta vez em 2008, um processo eleitoral que se distingue de muitos outros por ser o primeiro a ser realizado num ambiente de paz efectiva, após os acordos de paz de Luena, Moxico. E foi nessas eleições em que o seu partido foi extinto por não alcançar os 0,5% dos votos como determina a Lei dos Partidos Políticos.
Depois de Anália de Vitória Pereira, seguiu-se Jonas Savimbi, líder fundador da UNITA, maior partido na oposição, que, depois da sua participação activa na luta contra o colonialismo e de liderar uma guerra de 27 anos [1975 a 2002] contra o Governo, a quem acusou de pretender ser o único ‘representante do povo’, morreu em combate cravado de balas, nas matas do Lucusse, no Moxico, província onde em 1966 criara a UNITA.
Apesar de ter liderado uma longa guerra contra o governo do MPLA, administrado numa ocasião por António Agostinho Neto (1975-1979) e noutra por José Eduardo dos Santos (1979-2017), e nalgum momento ter controlado parte significativa do País, e com isso podido explorar riquezas do subsolo nacional para o reforço de seus intentos, Jonas Savimbi morreu, segundo os seus partidários, sem deixar fortunas quer para o partido, quer para a família, além de não ter deixado dívidas de aquisição de armamento ou de outra natureza, como fez saber outra vez o general Abílio Kamalata Numa, este que, em conjunto com o general João de Matos, pela parte governamental, concebeu o exército único, as Forças Armadas Angolanas (FAA).
Bengui Pedro João, antigo presidente e fundador do Partido Social Democrata (PSD), é outro dos candidatos a Presidente da República nas eleições de 1992 que também conheceu a morte. Segundo dados fornecidos pelos seus familiares, o político faleceu na madrugada de segunda-feira do dia 12 de Julho de 2010, em Luanda, na sequência de um ataque cardiovascular. O político natural do Uíge tinha na altura 56 anos.
Já o irmão de Anália de Victória Pereira, Rui de Victória Pereira, então presidente do Partido Reformador Angolano (PRA), e que também ambicionou ser Presidente de Angola, participando nas primeiras eleições realizadas no País, morreu três anos antes da morte da líder do PLD, em decorrência de problemas cardíacos. Igualmente já não faz parte do mundo dos vivos o político e embaixador itinerante Honorato Lando, que chegou a ser o quinto mais votado nas eleições de 1992, apesar de, na altura, ter sido ‘ilustre’ desconhecido para a maioria dos angolanos.
Honorato foi fundador do Partido Democrático Liberal de Angola (PDLA), criado no Huambo, de onde partiu, em 1980, para o exílio, que começou na República Federal da Alemanha e, depois, em França. Regressou a Angola com o fim do sistema de partido único, tendo-se em 2009 desvinculado do partido que fundou para integrar o MPLA. O político morreu a 1 de Setembro de 2017, em Toulouse, França, aos 79 anos, para onde havia viajado para receber tratamento médico especializado.
Entretanto, se Jonas Savimbi, líder da UNITA, o maior partido na oposição, sucumbiu cravado de balas, de armas na mão, junto de seus partidários, mas distante da família, José Eduardo dos Santos, antigo Presidente da República, que administrou o País por 38 anos, além de ter liderado o MPLA por 39, faleceu por doença, em Espanha, igualmente distante da família, e de seus correligionários, além de o seu passamento físico ter estado associado a várias polémicas, envolvendo pessoas do seu agregado familiar e altos quadros do seu partido e do País.
OS ‘RESISTENTES’
António Alberto Neto, agora com 80 anos de idade, foi o terceiro mais votado nas eleições presidenciais de 1992, tendo ultrapassado o histórico Álvaro Holden Roberto, que ficou na quarta posição. Arquitecto da bandeira do MPLA, partido com que se incompatibilizou antes das eleições supracitadas, António Alberto Neto fundou o já extinto Partido Democrático Angolano (PDA), com sede na Vila Alice.
Há muito que o político intercalava a sua estada entre Angola e Portugal, mas fixou residência naquele país europeu, depois de, em 2015, vários jovens terem sido capturados pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), no centro de formação ILULA, sua propriedade, no momento em que frequentavam um ciclo de formação sobre manifestações pacíficas, um caso que ficou conhecido como 15+2.
O político Luís dos Passos, então líder do Partido Renovador Democrático (PRD), foi o sexto mais votado no primeiro pleito eleitoral organizado em Angola, alcançando 1,47% dos votos. Apesar das suas abordagens com simbolismo democrático, Luís dos Passos chegou a ser eleito presidente do PRD, numa controvérsia convenção da formação política, realizada no anfiteatro da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto.
O evento ficou marcado pelo surgimento, à última hora, de uma nova lista, liderada por Luís dos Passos, para concorrer à direcção do partido, quando já era pública a existência de uma única lista, liderada por Joaquim Pinto de Andrade, que, na sequência do resultado da convenção, foi apeado do cargo que exercia, provisoriamente, desde 1991. Entretanto, abdicou da liderança do partido 16 anos depois da realização das primeiras eleições multipartidárias devido aos maus resultados eleitorais obtidos pelo seu partido nas eleições legislativas de 2008.
Simão Cacete, engenheiro electrónico, entrou para a história como o mais jovem entre os pretendentes ao cargo de Presidente da República, tendo sido o oitavo mais votado com 0,67%. Actualmente a residir em Portugal, o engenheiro justifica o ‘adeus’ que deu ao País com alegada perseguição de que terá sido alvo pelo Serviço de Inteligência e Segurança do Estado. Simão Cacete concorreu à Presidência da República em representação da AD-Coligação, uma aliança eleitoral então integrada por cinco partidos e extinta, em 2008, por não ter alcançado, nas eleições legislativas, o número mínimo de votos, 0,5%, exigido por lei.
O RESULTADO ELEITORAL E A GUERRA QUE SE SEGUIU
A taxa de participação daquelas que foram as primeiras eleições no País ultrapassou os 90%. Estavam em disputa 220 lugares na Assembleia Nacional e o cargo de Presidente da República. Nas eleições legislativas concorreram 17 partidos políticos e uma coligação, integrada por cinco partidos e, nas presidenciais, 12 candidatos, um dos quais, o político Mfulumpinga NlandoVíctor, que chegou por desistir da corrida, já depois de terem sido impressos os boletins de voto.
José Eduardo dos Santos, candidato pelo MPLA, foi o mais votado. Embora não tenha atingido a maioria, conseguiu 1.953.335 votos, representando 49,57%. Em segundo, o líder da UNITA, Jonas Savimbi, que obteve 1.579.298 votos (40,07%). A Dos Santos e a Savimbi seguiram-se Alberto Neto, como 2,16%, Holden Roberto com 2,11%, Honorato Lando com 1,92%, Luís dos Passos com 1,47%, Bengui Pedro João (0,97%), Simão Cacete (0,67%), Daniel Chipenda (0,52%), Anália de Victória Pereira (0,29%) e Rui de Victória Pereira (0,23%).
Entretanto, Jonas Savimbi, líder da UNITA, recusou-se a aceitar os resultados divulgados considerando-os fraudulentos. E na sequência do desentendimento havido em face das posições de força de um lado e de outro, espoletou-se uma guerra iniciada na capital do País, Luanda, onde o ‘galo negro’ perdeu muitos dos seus ‘brilhantes’ quadros. No cômputo geral, de acordo com dados à disposição do Luanda Post, a guerra civil angolana de 27 anos deixou um rasto de mais de meio milhão de mortos e até um terço da população total deslocada internamente e nos países vizinhos.
Apesar da guerra que já foi considerada como a mais mortífera do mundo após as duas Guerras Mundiais, diferente do que ocorre noutras geografias, as instituições democráticas, como a Assembleia Nacional, continuaram funcional, de um lado os parlamentares do MPLA (Governo), do outro a oposição encabeçada pela UNITA, cuja direcção estava nas matas, cuja direcção estava nas matas chefiando os militares em guerra.
E dado que os resultados eleitorais não haviam garantido uma vitória conclusiva a José Eduardo dos Santos, o que obrigava a segunda volta, Alberto Neto reivindicou, durante muito tempo, depois da morte de Jonas Savimbi, em 2002, o direito a concorrer com José Eduardo dos Santos numa segunda volta das eleições presidenciais de 1992, por ter sido o terceiro candidato mais votado.
Embora tenha obtido um magro resultado em 1992, Alberto Neto não se coibiu de procurar respaldo legal para a reivindicar o que dizia ser um direito seu, já que o segundo candidato mais votado já não estava no mundo dos vivos. Certo é que a segunda volta nunca se realizou, tendo a normalização da vida democrática sido marcada pela realização de eleições legislativas, em 2008, dois anos antes da aprovação da actual Constituição da República, que determina a eleição indirecta do Presidente da República.