O filho mais velho do ditador Teodoro Obiang recebeu milhões da Zagope, depois de a empresa ganhar obras públicas no valor de mais de mil milhões de euros. A Zagope foi comprada em 1988 pela multinacional de construção brasileira Andrade Gutierrez.
Segundo o Expresso, em julho de 2014, com o apadrinhamento de Angola, a Guiné Equatorial entrava oficialmente para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Pelo meio, entre o deve e o haver das relações diplomáticas, os relatos persistentes de tortura e repressão contra ativistas e opositores políticos, e o estatuto indiscutível de Teodoro Obiang como o ditador há mais tempo no poder em África, tinham sido desvalorizados pelo Governo português. O momento era para abrir mais as portas, não para fechá-las. Chegaram promessas de maior cooperação. E de mais negócios.
Nesse ano, apesar da quebra abrupta do preço do petróleo, a fonte principal de receitas do país, a família sentada no poder em Malabo desde 1979 continuou a prosperar. Com algumas empresas da CPLP envolvidas em grandes projetos de infraestruturas, o dinheiro não parou de chover naquela antiga colónia espanhola. Dois anos antes, o Presidente Teodoro Obiang promovera o seu filho mais velho, Teodoro Obiang Mangue, conhecido por Teodorin, a segundo vice-presidente do país, indicando para onde a cadeira do poder deveria transitar no futuro. Teodorin ocupou bem o novo lugar.
Documentos obtidos pelo Expresso e partilhados com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), o diário francês “Le Monde”, a revista brasileira “Piauí” e o “Diário Rombe”, da Guiné Equatorial, revelam que entre 2014 e 2018, precisamente a partir do ano em que o país entrou na CPLP, Teodorin recebeu €72 milhões da construtora portuguesa Zagope, depois de esta empresa ter ganhado meia dúzia de contratos de obras públicas junto do governo local no valor de €1,1 mil milhões, adjudicados entre 2009 e 2012.
A Zagope foi comprada em 1988 pela multinacional de construção brasileira Andrade Gutierrez e foi transformada numa subholding do grupo para África, gerindo um conjunto alargado de obras públicas em vários países daquele continente, incluindo a Guiné Equatorial, onde está presente desde 2006. Em Portugal, onde mantém atividade, está a construir uma parte da extensão do metro de Lisboa.
O dinheiro pago pela construtora portuguesa ao filho mais velho do presidente da Guiné Equatorial foi canalizado para uma empresa de fachada, a Somagui, controlada por Teodorin e criada para se dedicar oficialmente ao mercado madeireiro. A empresa já existia quando o filho do ditador foi ministro da Agricultura e das Florestas, entre 1997 e 2012, e serviu, nesse tempo, para cobrar uma taxa pessoal por todas as exportações de madeira, a segunda maior fonte de receitas daquela pequena economia de 1,6 milhões de habitantes, depois do petróleo, num território imerso na grande floresta húmida do coração de África, na bacia do Congo.
Antes de os €72 milhões começarem a ser movimentados pela Zagope, a Somagui já tinha sido mencionada publicamente como um dos instrumentos que Teodorin usava para fazer gastos extravagantes na Europa. Em 2011 o “Le Monde” contava como o filho do ditador comprou por €18 milhões, numa venda organizada pela Christie’s de Paris, 109 lotes com objetos da coleção de arte Yves Saint Laurent e Pierre Bergé. Seria difícil referências como esta passarem despercebidas numa pesquisa básica no Google feita por um departamento de compliance de uma construtora com negócios internacionais.
Esses factos foram investigados num inquérito-crime conhecido em França como o caso “biens mal acquis” (ganhos ilícitos) que levou à condenação do filho do Presidente, em 2017, a uma pena suspensa de três anos de prisão e a uma multa de mais de €30 milhões, além da perda a favor do Estado francês de uma série de património arrestado no valor de mais de €150 milhões, com destaque para uma propriedade de 3000 metros quadrados no centro de Paris, perto do Arco do Triunfo, na Avenue Foch, que havia comprado em 2004.