O tema que trazemos hoje à estampa tem a ver com um assunto que a todos deve preocupar, pois trata-se de um tema do nosso mundo hodierno, susceptivel de colocar em causa os chamados direitos, liberdades e garantias fundamentais, cuja protecção pertence ao Estado.
Aristófanes dos Santos *
Interessa-nos, portanto, avaliar a constitucionalidade, a legalidade e a medida da eficácia das escutas telefónicas que praticamente são hoje utilizadas na maior parte dos países, sobretudo quando estamos na presença de assuntos ligados à investigação criminal, em que, em certos casos, para obtenção da prova, são efectuadas escutas telefónicas que consistem na captação de conversas entre os suspeitos das práticas criminais e terceiros.
Vivemos na era das tecnologias e, como tal, o direito tem de acompanhar essa evolução tecnológica como um novo modus vivendi. Porém, é importante que, na utilização destes meios tecnológicos, não se coloque em causa os direitos fundamentais dos cidadãos, constitucionalmente consagrados.
Podemos então afirmar que a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova utilizado no decurso de um processo, com o fim de recolher provas da prática de crimes. Porém, é um meio “Oculto” de obtenção de prova, meio “excepcional” e subsidiário de finalidade probatória e não preventiva.
Ao lançarmos mão a este meio, é imprescindível termos em atenção os princípios da proporcionalidade, consubstanciado na existência de uma relativa gravidade da infracção objecto de escuta ou relevância ético social do bem jurídico tutelado (n.º 1 do artigo 57.º da Constituição da República de Angola, 2010). Por outro lado, é obrigatório que o legislador tipifique (tipicidade substantiva) quais os crimes que são objecto de escuta telefónica, como forma de evitar arbitrariedade e a sua utilização fora dos limites legalmente estabelecidos.
Por outro lado, é importante ter em atenção o principio da necessidade, ou seja, somente se justifica lançar mão à escuta telefónica quando os outros meios de obtenção de prova (menos lesivos dos direitos fundamentais) se mostrarem insuficientes ou inadequados.
Tenhamos bem presente que a utilização das escutas telefónicas como última rattio é uma clara concretização do princípio da subsidiariedade.
Esta forma de produção e recolha de prova é excepcional devido ao seu carácter de danosidade e, por conseguinte, tem sido extremamente debatida pela doutrina e jurisprudência. Logo, o recurso a este meio de obtenção de prova está sujeito a um conjunto de requisitos formais e materiais, bem como condições de admissibilidade.
Assim, só devemos lançar mão à escuta quando existir certeza ou no mínimo probabilidade de que a escuta que se procura irá permitir a recolha das provas que se pretendem obter com a sua opção.
A escuta tem de pelo menos sinalizar mais benefícios ou vantagens para a descoberta da verdade material do que prejuízos para os direitos fundamentais restringidos, não devendo afectar em circunstância alguma a reserva da intimidade e a vida privada e familiar (artigo 230.º do Código de Processo Penal – devassa da vida privada), o Direito à palavra falada, a Liberdade de expressão, o Direito ao bom-nome, a reputações; a Inviolabilidade da Correspondência e das Comunicações (artigo 231.º do CPP).
Convém recordar que é inviolável o sigilo da correspondência e dos demais meios de comunicações privadas nomeadamente dos postais telegráficos, telefónicos e telemáticos. Apenas por decisão de autoridade judicial competente proferida nos termos da lei, é permitida a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nos demais meios de comunicações privada.
Por outro lado, é importante perceber que os meios de prova e os meios de obtenção de prova estão sujeitos à observância do princípio da legalidade que se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 6.º da CRA, e constitui-se numa garantia fundamental do Estado em relação aos cidadãos, limitando a acção do próprio Estado na sua forma de actuar perante os particulares. Ou seja, este princípio pressupõe que o Estado não pode tomar nenhuma decisão administrativa, punitiva ou restritiva contra o indivíduo, fora do quadro legal.
Na verdade, o Princípio da Legalidade visa proteger o cidadão contra o abuso de poder e de arbitrariedade de um Estado autoritário, contribuindo, igualmente, para vincar a necessidade da observância dos direitos e obrigações dos cidadãos perante a lei.
Por conseguinte, durante a fase de instrução preparatória são admissíveis as escuta e as gravações de conversas ou comunicações telefónicas, desde que se verifiquem os seguintes pressupostos: serem as escutas e as agravações telefónicas autorizadas pela autoridade judicial competente (pressuposto e condição de admissibilidade). Em conformidade com a alinea b) do art.º 314.ºdo CPP (juiz das garantias).
Para tal, é imprecindivel a existência de despacho fundamentado; limite temporal; realizadas durante a fase da instrução preparatória; serem as escutas e a gravações indispensáveis para a descoberta da verdade ou tornar-se a prova, sem elas impossível ou muito menos difícil de obter; tem de ser crimes de catálogo (fechado) mais cláusulas geral de crimes puníveis com pena de prisão superior no seu limite máximo a 5 anos e criminalidade organizada; catálogo dos alvos (sujeitos).
Quando nos referimos a catálogo dos crimes, referimo-nos a produção e tráfico ilícito de estupefacientes; ao contrabando; lenocínio e tráfico sexual de pessoas abuso sexual de menores e lenocínio de menores; sequestro, rapto e tomada de reféns; falsificação de moeda, passagem de moeda falsa ou falsificada, circulação não autorizada de moeda, fabrico e falsificação de títulos de crédito e respectiva utilização (Alínea c) n.º 1 do Artigo 224.º, Lei n.º 39/20 de 11 de Novembro, CPP).
As escutas e gravações de conversas e comunicações telefónicas não devem ser banalizadas, elas devem ser autorizadas por “despacho fundamentado” do magistrado judicial competente, a requerimento do MP. Autorização é validada por um período de três (3) meses renováveis por períodos com a mesma duração por despacho do magistrado judicial competente e a requerimento do Ministério Público. (n.º 1 e 8 do artigo 242.º da Lei n.º 39/20 de 11 de Novembro, CPP).
Só podem ser submetidos à escuta telefónica e a gravação de conversas e comunicações que envolvam: suspeitos; arguidos; pessoas em relação as quais haja fortes razões para crer que recebem comunicações vindas de suspeitos ou arguidos, que eles se destinem ou que utilizam os seus telefones; vítima mediante sua autorização (n.º 4 e 5 do artigo 241.º, Lei n.º 39/20 de 11 de Novembro, CPP).
Só valem como provas as conversas, comunicações electrónicas que: o Ministério Público as indicar; o arguido transcrever e juntares ao requerimento para abertura da instrução contraditória ou contestação; o assistente transcreve a partir das cópias obtidas.
Assim, não valem como meio de prova as conversas ou comunicações telefónicas gravadas e transcritas sem o cumprimento dos requisitos e formalidades (artigo 245.º da Lei n.º 39/20 de 11 de Novembro, CPP).
Note-se que o regime da escuta e gravações é correspondentemente aplicável às comunicações transmitidas à distância através de qualquer outro meio técnico análogo, designadamente, correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados ainda que estes se encontrem guardadas em suporte digital, assim como a gravação de conversas ou comunicações entre pessoas presentes (artigo 247.º, n.º 39/20 de 11 de Novembro, CPP).
Mestre em Direito, pós-graduado em ciências criminais e em gestão estratégica de enfrentamento policial, licenciado em ciências policiais pela Escola superior de Polícia de Lisboa
in Jornal de Angola