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Conflito na RDC: “A diplomacia falhou”

Os rebeldes do grupo M23, alegamente apoiados pelo Ruanda, expandiram o seu controlo sobre Goma, capital da província de Kivu do Norte, no leste da República Democrática do Congo (RDC).

Após a incursão, a cidade de quase 2 milhões de habitantes ficou num estado caótico. A ONU declarou estar “profundamente preocupada” e as organizações humanitárias sublinharam a enorme necessidade de ajuda.

“É uma escalada previsível, dado o fracasso de todas as iniciativas de paz anteriores”, disse à DW o especialista em relações internacionais e política de segurança, Jona Thiel.

A região enfrenta conflitos profundamente enraizados, principalmente de carácter étnico. Segundo Thiel, estes conflitos não podem ser resolvidos através de negociações a curto ou médio prazo. O analista explica ainda que um acordo de paz negociado não conduziria automaticamente à pacificação.

“Não se deve ter a ilusão de pensar que o potencial de conflito entre as várias milícias cessará de um dia para o outro com a assinatura de um acordo, se é que esse acordo alguma vez se concretizará”, afirma.

Os principais antagonistas do conflito são o presidente congolês, Félix Tshisekedi, e o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, cujo governo em Kigali tem apoiado cada vez mais o M23. Thiel considera que os dois chefes de Estado não conseguiram desviar-se das suas posições maximalistas.

“Para Kigali, o M23 é um grupo que representaria os interesses do Ruanda em quaisquer negociações futuras. Por isso, Kigali quer reconhecer o M23 como um parceiro de negociações. [O governo de] Kinshasa, por outro lado, vê o M23 como um grupo terrorista e recusa-se a reconhecê-lo como um parceiro de negociação legítimo”, explica.

Um acordo entre os dois lados parece improvável nestas circunstâncias, concorda Jakob Kerstan, da Fundação Konrad Adenauer em Kinshasa, afiliada ao partido conservador alemão CDU. Para Kerstan, Tshisekedi falhou redondamento no que toca à garantia da segurança no leste do país.

“Félix Tshisekedi substituiu várias vezes o chefe do exército, mudou o ministro da defesa, contratou mercenários romenos, trouxe tropas da Comunidade da África Oriental e depois forças da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), iniciou a cooperação militar com o Burundi e o Uganda, e a missão da ONU (Monusco) também ainda está presente”, disse Kerstan.

“E, apesar de tudo isso, não conseguiu manter o controlo do coração da região, a cidade de Goma”. Como resultado, Tshisekedi está cada vez mais sob pressão.

As mediações têm falhado repetidamente ou conduzido apenas a acordos de curta duração. Por exemplo, o governo da República Democrática do Congo e o M23 assinaram um tratado de paz em Nairobi, no Quénia, e o grupo desapareceu de cena. Mas, no final de 2021, regressou com novos ataques.

Nos últimos anos, registaram-se duas outras grandes iniciativas de paz em África: O antigo Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, reuniu novamente as partes em conflito em Nairobi, em 2022, mas sem o M23. Este processo falhou.

Recentemente, a comunidade internacional depositou as suas esperanças nos esforços de mediação de Angola. O “Processo de Luanda”, sob a direção do Presidente João Lourenço, foi apoiado pela SADC, a União Africana, os EUA e a União Europeia. No entanto, as difíceis negociações acabaram por fracassar em dezembro de 2024, quando Kagame falhou uma reunião de última hora com Tshisekedi.

O chamado “Grupo Internacional de Contacto para a Região dos Grandes Lagos” apoiou politicamente – e indiretamente em termos financeiros – o Processo de Luanda. Entre os membros estão países como a Alemanha, Dinamarca, Bélgica, União Europeia, França, Países Baixos, Suécia, Suíça, EUA e Reino Unido.

Este grupo declarou que o Processo de Luanda deve continuar. Exige também que o M23 e as forças armadas do Ruanda cessem a sua ofensiva, concedam acesso a Goma aos trabalhadores humanitários e se retirem. Além disso, os países ocidentais pretendem ajudar a reconstruir economicamente a área rica em recursos.

O objetivo é transportar os recursos da região através de novas rotas comerciais, como o Corredor do Lobito, que atravessa a RDC, a Zâmbia e Angola, financiado pela Europa e pelos EUA. De acordo com o plano do Grupo de Contacto Internacional, as receitas do comércio de minerais deverão acabar por fomentar a prosperidade e a paz na região.

“Solução diplomática terá de ser alcançada”

Em fevereiro, Angola assumirá a presidência da União Africana. O Presidente João Lourenço e o Ministro angolano dos Negócios Estrangeiros, Tete António, já anunciaram planos para lançar uma nova ofensiva diplomática em prol da paz no leste da República Democrática do Congo.

“Apesar do fracasso das negociações anteriores, não há caminho a seguir sem novos esforços de paz sob a mediação de Angola. O que está em causa é a segurança das pessoas e, claro, também os recursos e as oportunidades de negócio lucrativas”, disse à DW Nkikinamo Tussamba, especialista angolano no leste da República Democrática do Congo.

Tussamba acrescenta que, naturalmente, o Ruanda também está interessado nos recursos da região. “O Ruanda quer a paz na região, mas uma paz nos seus termos, uma paz que tenha em conta os seus interesses económicos. É por isso que o regime de Kagame sabotou o processo de paz conduzido por Angola com o apoio dos EUA”.

Segundo Tussamba, uma solução diplomática através do processo de Luanda terá de ser alcançada mais cedo ou mais tarde.

Kerstan, da Fundação Konrad Adenauer, tem uma opinião semelhante: “Os países ocidentais, incluindo a Alemanha, insistem que o processo de Luanda deve continuar”.

Agora, com o M23 a ganhar cada vez mais terreno, o lado congolês vai exercer mais pressão a nível internacional, especialmente sobre países ocidentais, para que exerçam pressão sobre o Ruanda.

O papel da Europa

O que é que o Governo alemão pode fazer? “O Governo alemão poderia, por exemplo, suspender imediatamente a ajuda ao desenvolvimento do Ruanda. Isso já aconteceu em 2012 e 2013”, sugere Kerstan.

Kerstan acrescenta que o orçamento de Estado do Ruanda continua a depender em grande medida dos doadores ocidentais.

“Se os países ocidentais se unirem e disserem que vão deixar de fornecer financiamento, isso terá impacto no Ruanda”.

As perspetivas de uma paz duradoura na região dos Grandes Lagos são, em geral, muito fracas.

“Enquanto não existir uma base de confiança, mesmo que remota, não haverá pacificação”, conclui Thiel.

DW África

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