O empresário Carlos de São Vicente, genro do primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto, é a única figura de proa do círculo do poder que continua na cadeia, no quadro do combate à corrupção e à impunidade desencadeado pelo Governo, no âmbito das eleições gerais de 2017.
Até antes da entrada em funções do governo de João Lourenço, em Setembro de 2017, quadros ligados às estruturas administrativas do Estado destilavam ‘gritante’ impunidade. Cometessem o que fosse no âmbito da gestão da coisa pública, continuavam em liberdade e, na maioria das vezes, em funções e a desfrutar do ‘arrombo’ provocado ao erário.
Entretanto, a referida realidade foi contrariada com a ascensão de João Lourenço, que acabou por não ser levado a sério quando num evento do partido MPLA, ainda nas vestes de vice-presidente da organização, avisara que o combate à corrupção e à impunidade era para valer, ainda que os “primeiros a cair” fossem quadros militantes do partido.
Dito e feito. A 15 de Novembro, dois meses após à sua investidura como chefe de Estado, João Lourenço exonerou Isabel dos Santos, filha de seuantecessor José Eduardo dos Santos, do cargo de PCA da petrolífera Sonangol.
Logo ao início do ano de 2018, precisamente em Janeiro, Presidente da República exonerou outro filho de José Eduardo dos Santos do cargo de PCA do Fundo Soberano de Angola.
Uma investigação da Procuradoria-Geral da República constatou que Zenu dos Santos cometeu imensas irregularidades, como, por exemplo, a falta de cumprimento legal na repartição de percentagens para a terceirização para a gestão do Fundo Soberano, além de, alegadamente, ter usado a sua figura de filho do então Presidente da República para fazer aprovar um acordo em que o Banco Central teve de desembolsar 500 milhões de dólares, para a constituição de um fundo internacional.
Para a nova administração do Estado, a operação cheirava à ‘burla’, tendo a PGR mandado Zenudos Santos para a cadeia, onde permaneceu durante seis meses, de Setembro de 2018 a Março do ano seguinte.
Julgado pelo Tribunal Supremo em 2020, José Filomeno dos Santos foi condenado a cinco anos de prisão, pelos crimes de burla por defraudação, na forma continuada, e tráfico de influência na forma continuada.
Entretanto, não voltou à prisão. Aguarda a decisão do Tribunal Constitucional do recurso que remetera. Por ora, estudiosos em matéria do Direito sugerem que os crimes correm o risco de serem dados por “expirados por inexecução das penas”.
A sua irmã mais velha, Isabel dos Santos, tem sido acusada de 11 crimes, incluindo peculato, burla qualificada, abuso de poder, abuso de confiança, falsificação de documentos e associação criminosa. Sobre a empresária, que se encontra longe das autoridades angolanas, pesa um mandado de captura internacional, por conta dos alegados crimes cometidos durante a sua gestão na Sonangol.
Outros ‘gurus’ que ‘tombaram’ diante do combate à corrupção
Além dos descendentes de José Eduardo dos Santos, Manuel Rabelais, antigo ministro da Comunicação Social e director do GRECIMA, eAugusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, viram-se visados em processos ligados a más práticas no exercício da função.
Em 2021, Manuel Rabelais acabou condenado a 14 anos e 6 meses de prisão, por fraude estimada em 30,6 milhões de euros. O tribunal deu razão à acusação que alegava que Manuel Rabelais tornara o Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA) numa espécie de ‘casa de câmbio’, de compra e venda de divisas. Por sua vez, Rabelais não desmentiu o facto, tendo sublinhado que tudo fez por orientação de José Eduardo dos Santos, e que nada mais podia acrescentar porque se tratava de um assunto de ‘segredo de Estado’.
Entretanto, o tribunal aceitou o recurso com efeito suspensivo requerido pelo seu advogado.
Augusto Tomás, natural de Cabinda, é outro ‘guru’ das estruturas do Governo que se viu cair. O ex-ministro dos Transportes foi igualmente condenado a 14 anos, em 2019, mas já se encontra no seio familiar.
Já o empresário Carlos de São Vicente, genro do primeiro Presidente da Angola independente, António Agostinho Neto, não teve a mesma sorte.
Detido em 2020, na Comarca de Viana, Carlos de São Vicente foi condenado a nove anos de prisão efectiva pelos crimes de peculato, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foi ainda condenado a pagar uma indemnização de 4,5 mil milhões de dólares norte-americanos ao Estado angolano.
A acusação
Da acusação constava que Carlos de São Vicente montou “um esquema ilegal” que lhe permitiu extrair da Sonangol mais de 900 milhões de dólares.
O Ministério Público referiu haver indícios bastantes que apontavam que o empresário, que entre 2000 e 2016 desempenhou, em simultâneo, as funções de director de gestão de riscos da petrolífera estatal e de PCA da AAA Seguros, sociedade em que a Sonangol era inicialmente única accionista, terá levado a cabo naquele período “um esquema de apropriação ilegal de participações sociais” da seguradora e de “rendimento e lucros produzidos pelo sistema” de seguros e resseguros no sector petrolífero em Angola, graças ao monopólio da companhia.
Entretanto, a defesa contesta e inumera uma série de irregularidades até de foro constitucional. Apesar das movimentações dos advogados, e da família, com destaque para Maria Eugénia Neto, esposa do primeiro Presidente angolano, Carlos de São Vicente continua no estabelecimento prisional de Viana.